Embora o RS ainda domine dois terços da produção nacional, êxito de projetos em SP e PE anima abertura de novas regiões de cultivo
Fernando Scheller
O ano de 2020 foi de recordes para a produção de vinho nacional. Impulsionadas pelo salto de 30% no consumo per capita da bebida, que atingiu a máxima histórica, as vinícolas nacionais viram urna oportunidade para apresentar seu produto a um público mais amplo. Foi também uma chance para que o brasileiro experimentasse não apenas os vinhos e espumantes feitos no Rio Grande do Sul – principal polo do País -, mas se abrisse a opções de origem menos tradicional.
Segundo a Ideal Consulting, que acompanha de perto o mercado brasileiro de vinhos, o País hoje tem 1.003 vinícolas – o dado contempla tanto as que fazem a bebida fina quanto as voltadas ao vinho de garrafão, feito de frutos comuns. Embora o Rio Grande do Sul ainda seja o líder isolado, concentrando dois terços da produção, outros Estados começam a ganhar relevância em um movimento que deve continuar nos próximos anos, segundo especialistas.
Essa descoberta dos vinhos feitos fora do Rio Grande do Sul é puxada por duas regiões. Uma é a do Vale do Rio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia, que virou um importante polo de produção de espumantes de marcas de alto volume, como a gaúcha Miolo e a portuguesa Rio Sol. Essa experiência, que já dura uma década, se junta a uma outra mais recente, que trouxe reputação para regiões alternativas: a Guaspari, de Espírito Santo do Pinhal (SP).
A história dos vinhos da Guaspari, que já ganharam prêmios e são servidos em vários restaurantes de renome, começou a ganhar corpo há cerca de 15 anos, quando a família decidiu dar uma nova direção a uma propriedade de 95o hectares na região da Serra da Mantiqueira, perto da divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Segundo Fabrizia Gennari Zucherato, diretora executiva da Guaspari, sabia-se que era uma aposta de longo prazo. “Todo mundo entrou no negócio sabendo que o retorno viria em cem anos, que não seria algo que veríamos na nossa vida.”
Diante dessa perspectiva, a velocidade da descoberta da marca foi considerada surpreendente pelos sócios. “Nós vendemos nossa primeira garrafa em novembro de 2014”, lembra. A partir daí o projeto ganhou força e vários investimentos foram adiantados, como as visitações e degustações na própria fazenda, que foi aberta aos visitantes em 2017. “Acho que o turismo nos beneficiou muito – estamos muito próximos de São Paulo, o principal polo consumidor de vinho”, diz Fabrizia.
O enoturismo, que hoje representa metade do faturamento da Guaspari, ajudou a acelerar o crescimento. Atualmente, a vinícola tem 50 hectares de terra produzindo uvas viníferas em diferentes pontos da propriedade – algumas videiras estão a 850 metros de altitude e outras, a 1,3 mil. A mesma propriedade também produz café gourmet com a mesma marca, e há espaço para a expansão do plantio.
A Guaspari produz 120 mil garrafas por ano, ainda se encaixando na categoria de vinícola butique. Além de vender para os milhares de visitantes que vão até Espírito Santo do Pinhal todos os anos, a companhia mantém um e-commerce próprio e distribui seus produtos em redes como St. Marché, Santa Maria e Eataly, na capital paulista. Os principais vinhos da empresa custam entre R$ 250 e R$ 300, mas há uma linha de entrada partindo de R$ 90.
Vinho do frio. Enquanto a Guaspari provou a viabilidade da produção de vinhos em uma região de clima mais quente do que o do Rio Grande do Sul, a Villaggio Bassetti tem colhido uvas viníferas sob as baixíssimas temperaturas de São Joaquim, município catarinense conhecido como um dos mais frios do País. Para iniciar o projeto, o empresário Eduardo Bassetti comprou parte de uma fazenda de gado, em 2005, e transformou o destino da propriedade.
Hoje, a região de São Joaquim, que fica a cerca de 1,4 mil metros de altitude, reúne 19 vinícolas, que fazem parte de uma associação de vinhos de altitude. Como a produção de vinhos ainda é relativamente pequena, o turismo acaba fazendo o trabalho de comunicar ao público a existência desse polo de vinhos. “Hoje, graças ao vinho, São Joaquim recebe 200 mil turistas por ano – antes, quando o único atrativo da cidade era o frio, esse número era de 60 mil”, diz Bassetti.
Bassetti admite que produzir vinho em São Joaquim tem seus desafios, entre eles a produtividade dos parreirais. “A nossa propriedade tem 12 hectares e conseguimos colher cerca de 4 toneladas de uva por hectare”, conta, lembrando que o polo gaúcho de vinhos consegue colher três ou quatro vezes mais. No entanto, aos poucos, os vinhos da empresa conseguem uma projeção mais nacional: além do e-commerce, os produtos estão disponíveis em restaurantes paulistas, como a rede Ráscal.
Se a região de São Joaquim já criou um grupo de produtores que amplia o volume da região, outras áreas ainda dependem do esforço individual para ficarem conhecidas. É o caso do Cerrado. O médico Marcelo Souza se tornou conhecedor de vinhos ao fazer residência em São Paulo, nos anos 1990. Ele lembra que, nessa época, o dólar era “um para um” e consumir o produto importado de qualidade não era tão caro quanto hoje.
Dono da vinícola Pirineus, que produz 5 hectares no município de Cocalzinho (GO), ele fabrica vinhos e espumantes cujos preços variam hoje de cerca de R$ 95 a R$ 300. A propriedade foi comprada em 2005 e os primeiros vinhos começaram a ser vendidos em 2013 – sendo que alguns deles receberam prêmios e elogios como o do sommelier Manuel Beato, que definiu um rótulo da marca como “uma aberração de tão bom”.
• Enoturismo
“Graças ao vinho, São Joaquim recebe 200 mil turistas por ano – antes, esse número era de 60 mil.”
Eduardo Bassetti: PROPRIETÁRIO DO VILLAGGIO BASSETTI